O objectivo da NATO em prolongar a guerra no leste europeu não é um segredo, porque o seu secretário-geral, Mark Rutte, disse já esta semana que os países-membros vão enviar todo o apoio que puderem para que Kiev possa prolongar o conflito com Moscovo.
A ideia é garantir que até 20 de Janeiro está a ser feito tudo para impedir que o novo Presidente norte-americano e o Presidente da Rússia, Vadimir Putin, que já estão de encontro marcado para os dias seguintes à tomada de posse de Donald Trump, não sejam bem-sucedidos no seu objectivo de acabar rapidamente com o conflito.
Uma demonstração de que a NATO não quer ver a guerra terminar foi protagonizada pela Alemanha, cujo ministro da Defesa, Boris Pistorius, esteve em Kiev nesta terça-feira para proceder à entrega de novo carregamento de armas à Ucrânia, incluindo dezenas de misseis para os seus sistemas de defesa antiaérea Iris-T.
Além disso, além da Alemanha, também a Dinamarca e a Noruega, estes com volumosas entregas de novos pacotes de ajuda militar, estão a investir fortemente na continuidade da guerra e, em Washington, o ainda Presidente Joe Biden procura em ritmo acelerado enviar para os ucranianos todo o remanescente do pacote de 61 mil milhões USD em armas aprovado em meados de 2024.
Dos mais de 9 mil milhões USD que ainda há duas semanas faltavam entregar, Biden e a sua entourage, dias antes de deixar o poder, conseguirem colocar perto de seis mil milhões a voar de urgência para a Ucrânia, não tendo conseguido os restantes, segundo The New York Times, porque a indústria de armamento não conseguiu suprir as encomendas.
Além disso, a Administração Biden vai colocar o novo inquilino da Casa Branca à prova ao deixar-lhe quase 3,5 mil milhões USD em armas para entregar a Kiev se o entender, o que permitirá confirmar a decisão de Trump acabar com o conflito a bem, negociando, ou a mal, cortando a ajuda militar e financeira aos ucranianos.
Para já, o confirmado encontro entre Vladimir Putin e Donald Trump, para os dias a seguir à posse em Washington, que será precedido de um telefonema entre ambos, segundo o conselheiro para a Segurança Nacional, Mike Waltz, está a ser torpedeado pelo ainda Presidente Biden e pelos seus aliados europeus.
Na terça-feira, os EUA e o Reino Unido autorizaram os ucranianos, entre os mais de 200 usados, a lançarem 12 dos seus misseis ATACMS, os projecteis balísticos de médio alcance norte-americanos, e os Storm Shadow, britânicos, ambos com alcance semelhante, a atacarem alvos relevantes no interior da Rússia.
Essa vaga, que é uma das maiores deste o início do conflito, em Fevereiro de 2022, inclui na lista dos alvos uma área industrial de químicos, em Briansk, que poderia gerar uma catástrofe ambiental, e a base aérea de Engels, com resultados que os russos dizem terem sido nulos devido à sua defesa antiaérea.
Já na quarta-feira, a resposta russa foi igualmente massiva, com mais de 200 misseis a voar para alvos ucranianos, tendo o país voltado a sofrer um gigantesco apagão depois de vários destes projecteis terem atingido a sua infra-estrutura energética, incluindo centrais eléctricas e zonas de armazenamento de gás, embora Kiev tenha já garantido que o ataque foi em grande medida neutralizado pelos seus sistemas de defesa antiaérea.
Olhando para este cenário, o major-general Agostinho Costa, na CNN Portugal, nota que se está num período de ebulição e alta tensão no leste europeu, que tem a ver com o 20 de Janeiro, com todos os aliados mais empenhados de Kiev a tentarem jogar as últimas cartadas.
Os ucranianos, por exemplo, temendo que Trump proíba o uso dos ATACMS, estão a utilizar todos os que lhes restam nos stocks, sendo o mesmo com os britânicos storm shadow, visto que, por incluírem componentes norte-americanos, também carecem de uma autorização de Washington para serem usados contra os russos.
Além deste cenário mais actual, já na passada semana, Kiev escalou o conflito ao bloquear o gás russo que ainda chegava à Europa ocidental através do seu território, e atacou o denominado TurkStream, último gasoduto que ainda leva o gás da Rússia para a Europa, através da Turquia e da Grécia, embora com resultados limitados.
E há mesmo notícias alarmantes na Rússia, onde a internet esteve durante horas totalmente desligada devido a alegados exercícios militares de países da NATO, embora não se saiba bem como tal sucedeu.
Isto, depois de a NATO ter anunciado a criação de uma unidade naval especial para proteger os seus cabos submarinos no Mar Báltico, com ordens para parar e inspeccionar quaisquer navios oriundos da Rússia, o que, na prática, significa um bloqueio naval à Rússia com eventuais consequências que não se podem prever, para já.
Porque é evidente que Moscovo não vai permitir que os seus navios sejam sujeitos a inspecções a bordo de militares da NATO, o que deverá resultar em escoltas armadas aos navios russos ou dos seus aliados, como a Bielorrússia, que usem as águas internacionais do Báltico.
Tal cenário permite antecipar fortes tensões no Mar Báltico, que é bordejado por países como a Ucrânia, a Alemanha, a Finlândia, Polónia, Rússia, Dinamarca ou Suécia, criando o contexto faiscante mais perigoso para um confronto directo entre a NATO e a Federação Russa.
Se do lado ocidental, Mark Rutte tem, na condição de chefe político da NATO, sublinhado a importância de não deixar Moscovo ganhar este conflito através do colapso da capacidade de resistir ucraniana, o que pode suceder sem o apoio dos EUA, em Moscovo, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, já veio avisar que a derrota de Kiev é inevitável.
Lavrov reiterou, numa conferência de imprensa alargada, em Moscovo, que as cartas da paz já foram lançadas sob a égide dos Presidente russo e norte-americano a partir de 20 de Janeiro, chamando a atenção para a ideia de que Donald Trump tem de saber que os planos da NATO para a Ucrânia são as raízes profundas desta guerra.
O chefe da diplomacia do Kremlin reiterou que a Rússia está disponível para negociar um acordo que permita, conjuntamente com os EUA, a paz e a segurança alargada na Europa, não apenas no caso ucraniano, nomeadamente a questão do acesso de Kiev à NATO como ponto sem discussão possível e que Moscovo jamais admitirá, e que Trump já veio dizer que percebe a perspectiva russa porque não podem aceitar esta organização militar nas suas fronteiras, apontando esse assunto como um dos que vão estar em cima da mesa durante o encontro com Putin.
Face a este contexto, alguns analistas admitem que se trata da primeira vez na história que se vê a bizarra circunstância em que conjunto alargado de países aliados ocidentais procuram boicotar as negociações de paz que estão a ser desenhadas por Moscovo e Washington sendo que Washington está, temporariamente, do lado dos que procuram impedir essas mesmas negociações de paz...
Outros analistas notam que a posição actual dos países europeus deverá começar a, primeiro de forma lenta, e depois em passo acelerado, a mudar na direcção do que forem as indicações que chegarem dos EUA após a saída de cena de Joe Biden e a tomada de posse de Donald Trump.